Para nós combatentes urbanos, nada mais necessário para nossa preparação, do que conhecimento. E um dos principais conhecimentos que temos a mão é o conhecimento histórico, por meio dele podemos saber, como não repetir erros do passados, e aprender com grandes mentes que já viverão, e também entender as técnicas que aprendemos em que contexto foram criadas, para que assim possamos entender se são efetivas para nossa realidade.
Hoje vou estar traçando a história do templo de Shaolim, para que possamos ver, que a preocupação que muitos governos possuem para se manterem tranquilos no poder sem a revolta popular, por isso houve a campanha de desarmamento na Alemanha um pouco antes do Nazismo tomar o poder. Na China, com o templo Shaolim não foi diferente. Acompanhem a linha histórica do antigo templo, e toda a caçada e perseguições que sofreu, até finalmente ser totalmente reformulado pela força do estado.
1. Templo Shaolin, uma história de sofrimento
Na dinastia Ming, toda filosofia e conhecimento foi valorizado. O templo Shaolin, se tornou um centro de ensino, filosofia e artes marciais. Muitos monges, sábios e mestres marciais, partilhavam o seu saber em troca do saber de Shaolin e sua hospitalidade. Para se tornar um monge Shaolin, era necessário que o discípulo passasse por diversos testes extremos, e no final teria que erguer um caldeirão com os seus antebraços , ficando marcado com cicatrizes em forma de dois animais simbólicos que indicavam a origem do respectivo templo, estas marcas eram os sinais dos mestres de Shaolin. Nem todos os monges se tornavam mestres, muitos eram apenas padres ou convidados, especialmente no final da dinastia Ming, quando os 170 movimentos foram redefinidos no boxe dos cinco animais, sendo estes: tigre, cobra, dragão, leopardo e grou.
E nessa mesma época, o templo de Emei Shan se juntou com os demais templos que compartilhavam o ensinamento de shaolin. Ela era uma conceituada biblioteca e instituição médica com livros, tombas e escrituras do oriente e ocidente.
2. Invasão dos Manchus, inicio do fim
Em meados do século XVI, os Manchus liderados pela família Qing, terminaram com a era dourada da China e com a dinastia Ming. Os Manchus não conseguiam invadir a China devido a grande muralha, porém uma rebelião interna foi a causa direta da queda desta dinastia, que já estava enfraquecida.
Logo, com toda esta instabilidade social muitos nobres, guerreiros e homens do povo foram obrigados a ficar na clandestinidade, onde pensavam conspirar para derrubar os invasores e reinstalar a próspera dinastia Ming, entre estes alguns refugiaram-se nos templos Shaolin. No entanto, havia um significante número de facções entre os Chineses, os quais ajudaram os Manchus contra os leais à dinastia Ming, em grande parte por causa das ideologias seguidas pelos Manchus, que mantiveram sensivelmente os mesmos padrões sociais, como por exemplo as práticas judiciais e o sistema do serviço civil confucionista, e os rituais dos templos.
O templo de Shaolin, por sua vez ofereceu resistência passiva aos invasores, pretendendo ficar acima dos assuntos políticos. Ajudavam todo aquele que procurasse refugio, tornando-se assim involuntariamente num refugio de resistentes. Assim, Shaolin tornou-se um centro de revolta, e principalmente um espinho na consolidação do poder dos Qing, que precisava de ser tratado drasticamente.
3. Pai mei, o Maligno
Shaolin era forte, a sua reputação grande e o seu suporte entre as povo ainda maior. Mas, finalmente em 1647 D.C., segundo diferentes versões por traição de um dos monges, conhecido como Pai Mei, o Sobrancelha Branca, que teria se aliado aos Manchus e teria envenenado o poço durante a noite do templo e aberto os portões, em algumas versões dizem que ele teria incendiado o templo durante a noite matando quase todos os monges o templo original de Shaolin em Hénán foi quase destruído na sua totalidade. Ali, Pai Mei teria matado o "invencível" líder Shaolin, Chi Thien Su, em um único combate, quebrando o pescoço. Os monges que sobreviveram, foram chacinados, muitos fugiram para o templo de Fujian e por trinta anos continuaram a sua resistência e apoio a resistentes. Isto levou à destruição do templo de Fujian, aos restantes grandes templos e ainda à maioria dos templos menos importantes . E segundo relatos, Pai Mei teria sido um dos seus principais caçadores juntamente com os manchus, conquistando a reputação de assassino de discípulos Shaolin, dizem ainda que seu estilo era incrivelmente forte e superior matando diversos monges em combate.
4. Tríades, a criação dos Tongs
A partir desta altura os monges de Shaolin eram considerados criminosos, e qualquer prática do Kung Fu de Shaolin era punido pela morte. Muito se perdeu, escrituras, textos de Kung Fu, e muitos tesouros de conhecimento e saber.
Os monges de Shaolin e as pessoas do povo estavam agora separadas em muitas direções, todos inicialmente operando em segredo ensinando Kung Fu, pelo único propósito de formar um exército para lutar e derrotar os Qing. Estes individuos treinados, fundaram as tríades, nome retirado dum presente dum imperador Ming ao templo de Shaolin, um triângulo de jade. Daí as tríades, também chamarem-se de sociedades celestes (céu, terra e homem).
A grande reviravolta estava para ser a rebelião dos Boxer, cerca de 1900, assim chamados pois lutavam desarmados. Esta rebelião acabou por revelar-se ser um autêntico desastre, já que as forças do governo possuíam armas de fogo. Os Manchu, conseguiram que esta revolta, inicialmente contra o seu governo, se virasse contra a presença estrangeira no pais, pois estes seriam a raiz de todos os males. Finalmente a revolta acabou por ser controlada e colocou um ponto final na resistência. As tríades desistiram e desvirtuaram do propósito inicial, aproveitando a sua estrutura se tornaram gigantescas facções criminosas ao redor do mundo, trabalhando com contrabando, drogas, tráfico humano, até os dias de hoje. Caso parecido que aconteceu com os Estados Unidos ao treinarem os Talibans para lutarem contra os russos, e que acabaram sem querer criando uma das maiores facções terroristas do mundo.
Como em vezes anteriores, a influência de Shaolin e a sua força marcial, era ainda temida e proibida. Possivelmente esta terá sido a causa direta desta terceira destruição, em 1927, durante o governo de Chiang Kai Check. A República Chinesa livrou-se de Chiang Kai Check, mas continuou a marginalizar todas as formas de arte marcial ou combate. Muitos mestres acabaram por emigrar para Taiwan, onde alguns ainda se encontram e muitos dos seus descendentes.
Polícia prendendo integrantes da Máfia Chinesa em São Paulo.
5. Mao Tse Tung contra as técnicas de combate
A era comunista foi introduzida depois da queda dos Manchus. Em um primeiro momento, o governo Mao não se incomodou com o que sobrou dos shaolin. Entretanto, de acordo com a doutrina marxista, o novo poder era oficialmente ateísta sendo contra todo tipo de religião ou arte marcial, até mesmo o tumulo de Confúcio foi profanado, se alguém fosse pego ensinando algo que não fosse a palavra de Mao, era imediatamente reeducado ou aprisionado. Shaolin teve que renegar todos os seus ensinamentos. Já em 1966, teve início a Revolução Cultural na China e os templos budistas foram um dos primeiros alvos da Guarda Vermelha. Os poucos monges shaolin restantes foram açoitados pelas ruas e depois presos – os textos, pinturas e outros tesouros do templo foram roubados ou destruídos.
Na época, o líder chinês Mao-Tsé-Tung chegou a profanar o túmulo de Confúcio em Qufu. Porém Mao Tse Tung percebeu o enorme potencial de Shaolin como arma de propaganda e local turístico, devido os filmes que percorriam o mundo e buscou criar uma forma de kung fu que fosse belo e servisse para competições esportivas, tirando todo enfoque de defesa pessoal dos antigos estilos praticados pelos monges. A partir de 1951, começaram a ser realizadas várias reuniões entre mestres e treinadores de artes marciais para discutir formas de organizar e regulamentar a prática do novo Kung Fu, que ficou dividido em taolus, pratica de movimentos, que deveriam ser focados na beleza e na competição de formas de movimento e sanda, combate com regras em torneios esportivos, nascendo o wushu moderno.
Assim foi eliminado a prática de combate livres pois estas habilidades de autodefesa não faziam sentido a nova ordem estabelecida. Do mesmo modo, o regime comunista eliminou a relação tradicional que havia entre mestres e discípulos dentro das artes marciais, vista pelo regime como elemento feudal e reacionário, que seria, portanto, substituída pela relação mais moderna de treinador e atleta.
Em contraste com a crescente evolução do Wushu, os estilos tradicionais não tiveram a mesma sorte. O estouro da Revolução Cultural em 1966 colocou em xeque todos aqueles contrários a Mao, o que gerou consequências nefastas ao Kung Fu tradicional. Muitos estilos foram censurados, suas documentações confiscadas e acabaram sendo extintos. Os poucos que remanesceram foi devido à migração de chineses para outras regiões como Taiwan nessas regiões ou se encontravam em regiões isoladas onde a influência da Revolução Cultural não foi sentida com tanta intensidade.
Kung fu olímpico para competição de formas criado por Mao Tse Tung.
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