top of page
  • Foto do escritorMarsurvivor

OTAN: Por que a sua interferência na composição dos calibres?


Muito se vê nos artigos sobre armas, sobre adequação dos calibres a exigências da OTAN, e assim a divisão de calibres atuais e seus limites de emprego em Conflitos Assimétricos. Mas afinal o que é a OTAN e qual sua influência ou importância no desenvolvimento de calibres em novos armamentos lançados no mercado. Hoje vamos conhecer um pouco a história da criação da OTAN bem como em especial sua influência na criação de fuzis em relação aos calibres utilizados e ainda as limitações que isso levou para muitos grupos operacionais ao redor do mundo.

OTAN

A OTAN é uma organização gerada em 1949 no contexto da Guerra Fria a qual unia em pacto militar os países integrantes do bloco capitalista. A Segunda Guerra Mundial foi vencida pelos Estados Unidos e pela União Soviética, as duas potências, contudo, ocupavam posições ideológicas opostas no cenário mundial. Os Estados Unidos eram os propagadores da ideologia capitalista no mundo, enquanto a União Soviética, desde a Revolução Russa de 1917, defendia e acreditava no sistema socialista. Com o fim da guerra, um novo conflito surgiu entre esses dois polos, mas dessa vez o embate ficou no campo ideológico. Uma vez que ambas as potências possuíam um arsenal militar e nuclear, considerável, a ocorrência de um novo confronto bélico entre as duas poderia representar a completa aniquilação de uma delas ou das duas. Por se tratar de um enfrentamento que no campo de batalha não poderia acontecer, por causa das consequências catastróficas, o conflito ideológico que dominou o mundo por várias décadas ficou conhecido como Guerra Fria.

Churchill, Roosevelt e Stálin na Conferência de Ialta, 1945.


O mundo ficou dividido entre o bloco dos países capitalistas e o bloco dos países comunistas. Em 1949, os Estados Unidos lideraram uma organização que reuniria os países europeus de sistema capitalista em um pacto de auxílio militar mútuo. No dia 4 de abril daquele ano foi criada em Washington, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Ficava então estabelecido que os países envolvidos se comprometiam na colaboração militar mútua em caso de ataques oriundos dos países referentes ao bloco socialista.


Algum tempo depois, os países do bloco socialista, liderados pela União Soviética, reagiram e criaram o Pacto de Varsóvia. Esta organização tinha os mesmos preceitos de cooperação militar mútua em caso de ataque a seus membros por parte dos países capitalistas. A atuação da OTAN não ficou restrita apenas ao campo militar, embora fosse seu preceito inicial, a organização tomou dimensões de interferência nas relações econômicas e comerciais dos países envolvidos.

Na década de 1980, o socialismo entrou em crise e declinou rapidamente. A fragilidade da União Soviética frente ao cenário mundial refletia no Pacto de Varsóvia, que não tinha forças mais para existir. Nesse contexto, a OTAN se reorganizou adotando outras medidas como prioritárias, já que o motivo que esteve no cerne da criação da organização já não tinha mais representação nenhuma. O Muro de Berlim, a União Soviética e o socialismo caíram, em consequência o Pacto de Varsóvia foi extinto. Assim a OTAN passou a reinar soberana no contexto mundial juntamente com a vitória do capitalismo.


A OTAN seguiu o rumo de manter-se como o eixo de segurança da Europa e América do Norte e foi progressivamente se expandindo para o Leste Europeu, antiga região do bloco socialista. Polônia, Hungria e República Tcheca, antigos membros do Pacto de Varsóvia, foram convidados e admitidos na OTAN em 1997. A Rússia deparou-se com o progressivo esvaziamento de sua influência no mundo. No século XXI, mais uma série de países que outrora integraram o bloco socialista foram admitidos na OTAN.


Atualmente, a OTAN exerce grande influência nas decisões políticas da Europa e é coordenada, desde agosto de 2009, pelo dinamarquês Anders Fogh Rasmussem. Os países que hoje formam a OTAN são: Albânia, Alemanha, Bélgica, Canadá, Croácia, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, França, Grécia, Países Baixos, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Portugal, Reino Unido, Turquia, Hungria, Polônia, República Tcheca, Bulgária, Estônia, Letônia, Lituânia, Romênia, Eslováquia e Eslovênia.



Calibres adotados pela OTAN

Nos conflitos assimétricos, a Artilharia assume função dupla: estratégica, ao prover fogos em grande profundidade e precisão, negando ao adversário seu livre movimento e do desenrolar de sua cadeia de suprimentos, por mais tênue que esta seja, empregando mísseis e foguetes. Ao final da Segunda Guerra Mundial, a chamada Aliança Atlântica, sob a liderança dos EUA, tinha uma problema: uniformizar os calibres então em desenvolvimento para emprego nos futuros fuzis semi e automáticos, derivados todos, de uma forma ou outra, do revolucionário StG 44 Sturmgewehr alemão. Este usava 7.92x33 mm, oferecendo potência entre as metralhadoras de mão e os fuzis de combate tradicionais. Diversos países pesquisavam novos calibres, na faixa aproximada entre 6,0 e 7,5 mm de diâmetro.


Os parâmetros principais consistiam em ser capaz de atingir com precisão letal alvos humanos sem proteção balística até uma distância de 500 m e suportar regime de tiro em rajada (automático) de maneira controlada e sem causar desgaste acelerado do cano da arma. As novas armas também deviam oferecer maior quantidade de munição e fácil recarga.

O surgimento de novos materiais sintéticos e aços com liga refinada e alta performance também ofereciam novas possibilidades. Novos métodos de fabricação e produção, revestimento superficial etc, tudo vinha para se juntar em novas armas, mais leves, baratas, com razoável precisão a curtas e médias distâncias e com manutenção simples no campo de batalha. A imposição inicial de um calibre demasiadamente poderoso, o 7.62x51 mm, privou a OTAN e aliados por muitos anos de fuzis de assalto verdadeiros. A mudança para o calibre 5.56x45 mm, que deveria ter remediado esta situação, acabou por levar os aliados ao extremo oposto: um calibre cronicamente anêmico, que mesmo após extenso esforço pela indústria, ainda falha em prover letalidade à longa distância, uma vez que não foi concebido para isto.

Do lado do Pacto de Varsóvia, a partir de 1949, o grande campeão já havia surgido, o lendário Avtomat Kalashnikova 47, ou simplesmente AK47, no calibre 7.62x39 mm;


AK47 No lado ocidental, França, Reino Unido e EUA trabalhavam com calibres diferentes. Mas veio da Bélgica aquele que viria a ser o grande campeão ocidental: o FN FAL;


FN FAL O exército americano adotou o M-14, arma considerada por alguns usuários como a que melhor se adaptou ao calibre em combate, no arsenal americano. Curiosamente, este binômio arma + cartucho permaneceu por poucos anos em serviço, vindo a ser substituído pelo cronicamente anêmico 5.56x45 mm.


M-14

Como termo de comparação, a tabela abaixo apresenta dados dos calibres aqui citados: 7.62x39 russo, 7x43 britânico, 7.62x51 nato e o 5.56x45 nato.


Calibre Peso Projétil Vel. Inicial Energia (J) Quant. Mov

7.62x39 7.9 g (122 grains) 718 m/s (2356 ft/s) 2036 J (1502 ft.lbf) 5.7 kgf.m/s (287*)

7x43 9.0 g (140 grains) 777 m/s (2549 ft/s) 2717 J (2004 ft.lbf) 7.0 kgf.m/s (357*)

7.62x51 9.3 (144 grains) 838 m/s (2749 ft/s) 3275 J (2416 ft.lbf) 7.8 kgf.m/s (396*)

5.56x45 4 g (62 grains) 991 m/s (3251 ft/s) 1974 J (1303 ft.lbf) 4.0 kgf.m/s (202*)


Tabela 1 – Comparação entre os calibres: russo (7.62x39), ingles (7x43) e americano inicialmente adotado (7.62x51) e posteriormente (5.56x45).

Com a continuação da Guerra Fria, um novo conceito surgiu para o emprego das armas leves de Infantaria: um combatente inimigo morto retirava apenas um inimigo do campo de batalha, já um inimigo ferido requeria quatro outros para carregá-lo até um ponto seguro, além do efeito psicológico que a visão do sofrimento do ferido causa na moral dos seus companheiros e todo o ônus sócio econômico e logístico que seu socorro e recuperação causam.


Desta forma, um calibre menor, que não matasse o inimigo, mas o ferisse, removeria 5 combatentes do campo de batalha, ao invés de apenas um. Além desta matemática sombria e bombástica, uma outra razão mais prosaica se impunha sobre o Exército Americano: a má pontaria dos recrutas. O recruta típico se apresentava para o serviço militar de 12 meses e devia ser instruído nas técnicas de controle de gatilho, visada, postura e ser capaz de realizar o tiro individual antes de poder realmente aprender a empregar o fuzil em benefício da Esquadra ou Grupo de Combate. A experiência com atiradores esportivos indica que um longo período de maturação é necessário até que o homem de fato domine a arma até o ponto onde consegue atingir qualquer alvo desejado dentro do seu raio de visão.


Ao contrário do que pensam os leigos, a pouca melhora da performance vinha da melhora no autocontrole, conforme o combatente ia se tornando um veterano. A ausência de treinamento de tiro e reciclagens garantem isso, como qualquer atirador esportivo pode confirmar. Estatísticas clássicas do US Army indicam que naquele conflito foram gastos em média 52000 tiros de armas leves por inimigo morto em ação, em um sombrio atestado da falência dos métodos de treinamento de tiro do Exército Americano - apenas seus núcleos profissionais desempenharam bem o papel de atirador individual.

A combinação do pouco treinamento dos recrutas com um conflito não-convencional foi considerada desastrosa pelo alto comando do Exército Americano, que buscava uma solução onde um recruta com pouco treinamento pudesse compensar sua má pontaria com volume de fogo automático. Um calibre menor, mais leve, que permitisse um homem levar mais munição sem ter que carregar relativamente mais peso do que carregava. O calibre escolhido para operar esta mudança foi um calibre esportivo e de caça, o .222 Remington, tornado mais poderoso até alcançar os limites desejados pelo US Army de velocidade e penetração.


Seus ferimentos eram causados pelo efeito combinado do baixo peso e altíssima velocidade relativa para tal peso do projétil, causando estilhaçamento e “capotamento” quando este atingia o alvo. Surgia assim o .223 Remington ou 5.56x45 mm NATO. Os EUA buscavam agora seu AK47. E em plena Guerra do Vietnam, adapta-se o projeto original da mente de Eugene Stoner, o M-10, surgindo o M-16, o Fuzil Negro (devido ao fato de não mais usar madeira e sim baquelite preta como material para a coronha e guarda-mão).



M-16 O que se seguiu foi um desastre. A arma ainda não estava pronta para ser entregue à tropa, nem a tropa foi treinada para usá-la. Até hoje a polêmica continua em artigos, revistas técnicas e livros.


O sistema de recuo, sem pistão, causava ejeção de gases quentes no rosto do atirador, atiradores canhotos sofriam também com ejeção de cápsulas na boca, a munição inicial não era potente suficiente e gerava resíduos demais. Por outro lado, propagou-se o boato entre os combatentes que o fuzil seria “auto limpante” e a tropa não mais fazia manutenção das armas, quando ao contrário, o sistema de culatra rotativa e atuação por gás diretamente na face do ferrolho exigem que esta peça esteja sempre limpa para que a arma funcione corretamente. A combinação de falhas da arma, da “anemia” do calibre no ambiente de selva, com as fortes mudanças pelas quais passava a sociedade americana na época levaram a muitos soldados a crer que seu alto comando pouco se importava com suas vidas e seu bem estar, quando ao contrário, a preocupação era com aumentar o poder de fogo da tropa. O binômio M-16 com o calibre 5.56x45 havia falhado catastroficamente em sua estreia. Mudanças foram feitas no fuzil e no calibre até que um desempenho satisfatório em ambos fossem obtidos. Hoje em dia, com novas munições e redesenho da arma, por exemplo pela Heckler e Koch, existe uma confiabilidade que não se pensava, embora muito do projeto original de Stoner tenha mudado. A partir de meados dos 90 o Exército Americano resolveu substituir os M-16 por uma versão mais curta, uma carabina que fizesse o papel de fuzil de assalto, surgiu então a M4. M4 Com ela voltaram os defeitos da falta de confiabilidade e munição anêmica, uma vez que o cano mais curto deste modelo (entre 12” - Marines e 14.5” para o US Army) implicou no abandono das velhas munições e na necessidade de se desenvolver novas munições. Os incidentes continuam a acontecer, narrados fartamente, por exemplo, nas referências.


Hoje existe uma busca por um valor intermediário, mais próximo ao do calibre russo 7.62x39 mm. Talvez por isso uma grande expectativa em torno do fuzil Russo AK308 surgido em 2018.

AK308


No Brasil


Enquanto a polêmica de uma possível troca de calibre é alimentada entre os aliados europeus da OTAN e tropas especiais americanas, o Brasil se mantém em uma posição vantajosa: dispõe de um novo sistema de fuzis (IA2) e da antiga família do FAL. Embora o IA2 ainda tenha no seu corpo alguns vestígios do FAL, seu mecanismo de funcionamento é totalmente novo e parece livre dos problemas da família do M-16, já que funciona acionado à pistão e não a gás. Se por um lado isto aumenta o peso da arma, por outro confere aumento dramático na confiabilidade do sistema, como aferido pelos US Marines.

O novo modelo, na sua versão 5.56x45, destinado à tropa regular, pesa sem carregador ou acessórios 3.38 kg, contra 4.30 kg do FAL tradicional e 3.79 kg do Para-FAL de cano curto. É bastante curto, podendo ter sua coronha polimérica dobrada, reduzindo seu comprimento para 60 cm. Vem de fábrica com trilhos tipo (Arsenal) Picatinny, que permitem o emprego de toda a parafernália ótica disponível nos dias atuais, sem afetar as seguras alça e massa de mira. Porém, para emprego em conflitos assimétricos, recairia nas mesmas limitações descritas neste trabalho. A solução temporária para este caso parece ser o Para-FAL como apresentado recentemente, com ferrolho ajustado, trilho Picatinny sobre a tampa da caixa da culatra, cano mais curto e munição adequada a esta nova situação. Desta forma, os novos acessórios óticos previstos para emprego nos IA2 também podem ser empregados no Para-FAL.


Uma nova família de munições, mais adequada a esta combinação, menos potente, com projéteis mais pesados e velocidade de queima do propelente adequada ao cano mais curto, pode ser facilmente desenvolvida pela indústria nacional. A outra opção seria a própria Imbel iniciar estudos para a adoção de calibres intermediários, embora isto, reconhece-se, nos leva ao mesmo ponto que se encontram todos na OTAN hoje: em busca de um novo calibre que possa substituir os dois já em serviço, nos fuzis da tropa regular.


Conclusão:

Como vimos a A OTAN é uma organização gerada em 1949 no contexto da Guerra Fria a qual unia em pacto militar os países integrantes do bloco capitalista em contra partida dos países que adotaram a visão socialista. A regulamentação de calibres por parte da OTAN levou a dificuldades e limitações em relação ao desenvolvimento de um calibre ideal para o combate urbano. Pois o calibre atualmente empregado pela OTAN e aliados, 5.56x45 mm, incluindo o Brasil, atende aos requisitos de combate convencional até 300 metros, porém quando confrontado com o calibre 7.62x39 mm russo, adotado por combatentes irregulares em quase a totalidade dos conflitos assimétricos de larga escala hoje e eficaz até 500 metros, perde a capacidade de oferecer proteção e poder ofensivo à tropa.

Assim apesar de terem surgidos novos calibres ainda se busca um novo calibre que reúna as vantagens dos dois calibres citados.

Dúvidas? sugestões? Deixem nos comentários. Se gostaram deem um curtir e compartilhem. E não esqueçam de clicar em um dos anúncios para nos ajudar a continuarmos com nosso trabalho. Muito obrigado.

Prof. Marcos Antônio Ribeiro dos Santos

Colaboração:

Dr. David S.




E não esqueça de visitar nossa biblioteca sobrevivencialista virtual, clicando na imagem abaixo:



Sobreviva a tudo e a todos. Seja o seu próprio Mestre. Autodefesa levada à sério.


61 visualizações0 comentário
bottom of page